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Mulheres do Poder: Guajajara e Tereza Cristina

Quem me conhece como escritora, anarquista, provavelmente acha que sempre escreverei para falar que uma estadista é reacionária e nunca revolucionária. Porém, existe uma política que considero inimiga do sistema–

Sem sombra de dúvida, a nova Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento não é inimiga do sistema, Tereza Cristina é representante de um Reinado das atuais estruturas de poder. Membro de uma dinastia política, onde seu avô e bisavô ocuparam cargos públicos por um período total equivalente à um terço do século XX, podemos honestamente dizer que ela mereceu seu cargo atual. Tal legado de representantes políticos em sua família explica a habilidade que a Ministra tem de esquivar questões controversas e de emanar imparcialidade, o que, antes de Bolsonaro, eram qualidades essenciais para qualquer político(a) ambicioso(a). Estas qualidades são mais preocupantes do que a completa falta de noção de Damares Alves, porque torna-se possível fazer decisões catastróficas passarem despercebidas, sem grandes escândalos ou resistência.

Nada que a Ministra fala provoca extremo choque ou revolta. Tereza consegue ter sido representante do Partido Socialista Brasileiro sem nunca ter sido socialista. Consegue apoiar o Bolsonaro sem intenção alguma de interferir com o direito de indígenas à demarcação de suas terras. Consegue flexibilizar regulação de agrotóxicos e ao mesmo tempo priorizar a saúde e bem-estar do pequeno agricultor. Visa combater a corrupção enquanto não denuncia corruptos. Fala que vai sempre respeitar a lei, e ao mesmo tempo quer muda-la quando ‘pertinente.’ Até consegue combater o desmatamento por meio da liberdade dos Pecuários.

É frustrante e assustador ouvir esse indivíduo falar, porque não existem argumentos para rebater suas posições paradoxais, e intangíveis, como um líquido que escorrega pelos dedos. Resta apenas esperar para ver o resultado da zona.

O mais assustador de esperar para ver é que, antes de ser Ministra, Tereza Cristina foi uma Rainha da indústria responsável por 80% do desmatamento da Amazônia- a pecuária. Engordar gado, abater, vender pro exterior, e tacar fogo na floresta pra fazer pasto foi, e continua a ser, o seu negócio. Mesmo com todas as válidas críticas ao “consumo consciente,” um volumoso boicote à industria da carne mandaria, sim, uma mensagem alta e clara para quem acha que “o mercado fala por si só.” Ver o mercado falar ‘Chega dessa industria assassina!’ seria umas das nossas poucas oportunidades de fazer mais do que esperar pra ver. Infelizmente, estamos muito longe conseguir orquestrar tal movimento, e já sabemos que o mercado não opera de forma democrática.

A indústria é a especialidade de Tereza. Maximizar produção e negociar com compradores é a prioridade. Câncer, desmatamento e indígenas não são a questão. De acordo com ela, estes são problemas que o fortalecimento da economia liberal resolverá. Já vimos o derrame de afirmações contraditórias, e esta é apenas mais uma delas. Sabemos muito bem que o liberalismo é a doença… e não a cura.

Quem me conhece como escritora, anarquista, provavelmente acha que sempre escreverei para falar que uma estadista é reacionária e nunca revolucionária. Porém, existe uma política que considero inimiga do sistema– Sônia Guajajara.

O socialismo pode ser considerado uma troca de poder, o que preserva a estrutura, quando o que precisamos é desmoronar as estruturas pela base. Mesmo sabendo que o sistema eleitoral é insensato e que ia perder, Guajajara se candidatou para disseminar sua mensagem. Alguns anti-capitalistas acreditam em usar o sistema eleitoral ‘burguês’ para alcançar o máximo de pessoas possível, atropelando a contradição de se beneficiar da coisa que visamos destruir. Neste sistema, contradição é inevitável já que não existe escolha de participar do sistema- por isso lutamos contra ele.

A estratégia partidária está longe de ser abraçada por anarquistas, e eu também nunca recorreria a ela. O que mais tem é candidato e candidata que proclama anti-capitalismo mas pratica conciliação de classe. Sônia não é esse tipo de candidata. Sua posição como mulher, indígena e anti-capitalista torna impossível que sua presença seja meramente conciliatória.

Não me refiro à presença no sentido de representatividade, porque isso é o que a direita racista faria com uma candidata como ela. A Tereza Cristina, por exemplo, fala em entrevistas que não vai oprimir povos originários, que visita aldeias e que existem muitos indígenas “aculturados.” Guajajara não é a “aculturada” usada como ‘gesto não-racista.’ Ela seria uma força anti-racista e ecosocialista, e romperia paradigmas.

O ecosocialismo é interessante porque, na verdade, estamos sem tempo. O capitalismo fez tal dano ao planeta que não temos mais tempo de tornar o sistema obsoleto pela base. No Brasil, a violência ambiental não tem impacto contido, isolado- o impacto é global. Talvez precisemos de uma mudança drástica de poder para estancar sangramentos ambientais violentos.

Isso não quer dizer que eu faria campanha, ou diria para alguém votar na Sônia (mesmo sabendo que um bom número de anarquistas abriram uma exceção em 2018). Apenas acredito que seja importante reconhecer parcerias na batalha. A civilização será logo dizimada e, francamente, esgotamos o tempo que tínhamos para remoer tretas de 100 anos atrás. Sermos libertários e contra o Estado não nos faz e nunca nos fará neoliberais. Se vamos lembrar de alguma coisa do passado, que seja o fato que nós anarquistas também somos anti-capitalistas.

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texto: Mirna Wabi-Sabi