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UMA INIMIGA DO POVO — 3o Ato

DRA. STOCKMANN – Vejam só, temos aqui um emblema da autoridade. (Segura com precaução o boné do prefeito e ergue-o delicadamente entre o polegar e o indicador)

Por Henrik Ibsen, 1882

[No original, o protagonista é um homem — Dr. Stockmann]

Leia os outros atos AQUI.

Terceiro ato

Ilustrado por Pàkây Pataxó

Redação da Voz do Povo. No fundo, à esquerda, a porta de entrada; à direita, uma porta envidraçada pela qual se vê a impressora. Do lado direito, uma outra porta. No centro, uma mesa grande cheia de papéis, jornais e livros. Na lateral esquerda, uma janela, e sob ela uma escrivaninha com uma cadeira alta. Há duas poltronas junto à mesa e várias cadeiras dispersas. A redação é desarrumada e sombria – a mobília, gasta e envelhecida. Alguns tipógrafos trabalham na impressora. As máquinas funcionam. O diretor Hovstad escreve na sua mesa. Billing surge na cena com o manuscrito do Dra. Stockmann nas mãos.

BILLING – Sim, senhor! Esta é quente!

HOVSTAD (Escrevendo) – Você leu tudo?

BILLING (Põe o manuscrito na mesa) – De ponta a ponta.

HOVSTAD – Você não acha que a doutora bateu forte demais?

BILLING – Mais do que isso. É um artigo arrasador. Cada palavra cai como um golpe de machado.

HOVSTAD – Sim, mas essa gente não se derruba no primeiro golpe…

BILLING – É verdade. Por isso será preciso dar golpe sobre golpe, até que toda essa oligarquia desmorone para sempre. Enquanto eu lia o manuscrito, eu sentia a revolução em marcha.

HOVSTAD (Virando-se) – Cuidado… não diga essas coisas na frente do Aslaksen.

BILLING (Abaixando a voz) – Aslaksen é um frouxo. Falta-lhe coragem. Mas, desta vez, você vai impor sua vontade, não? O artigo sairá?

HOVSTAD – A não ser que o prefeito ceda.

BILLING – Seria uma pena! Uma grande pena.

HOVSTAD – Felizmente, de qualquer modo poderemos tirar partido da situação. Se o prefeito rejeitar o projeto da doutora, deverá contar com a oposição da nossa classe média, da Associação dos Pequenos Proprietários de Imóveis e do resto. E se ele cede, ficará mal com os acionistas mais fortes da Estação Balneária, justamente aqueles que mais o apoiam.

BILLING – Sim, claro, pois terão que desembolsar muito dinheiro.

HOVSTAD – Ah! Sim! Sem dúvida. Isso acabará por terminar com a Associação. O jornal dedicará grandes espaços para mostrar a incapacidade administrativa do prefeito e finalmente pressionaremos para que entregue todos os postos de confiança ao nosso partido, aos liberais.

BILLING – Estou vendo tudo! Estamos à beira de uma revolução! (Batem à porta)

HOVSTAD – Psit! (Em voz alta) Entre! (Dra. Stockmann entra pela porta do fundo, à esquerda. Hovstad vai ao seu encontro)

HOVSTAD (Dirigindo-se a ele) – Ah! É a doutora. E então?

DRA. STOCKMANN – Pode publicar tudo, Sr. Hovstad!

HOVSTAD – Esta é a decisão?

BILLING – Maravilha!

DRA. STOCKMANN – Pode publicar, já lhe disse. Eles vão ter o que desejam. Teremos guerra, Sr. Billing.

BILLING – Uma guerra sem quartel, doutora. Vamos pôr-lhes a faca na garganta.

DRA. STCKMANN – O relatório é apenas o começo. Já tenho material para quatro ou cinco novos artigos. Onde anda o Aslaksen?

BILLING (Grita em direção à tipografia) – Aslaksen! Venha cá um momento!

HOVSTAD – Quatro a cinco novos artigos? Sobre o mesmo assunto?

DRA. STOCKMANN – Ao contrário, meu amigo. São questões bem diferentes. Mas tudo relacionado com os encanamentos, a poluição e a contaminação das águas. Uma coisa está ligada à outra. É como um castelo de cartas. É só tocar em uma que todo o resto desaba…

BILLING – Que Deus me castigue, se não é verdade. Não se pode descansar antes de derrubar tudo!

ASLAKSEN (Da tipografia) – Derrubar tudo? Mas, doutora, a senhora não está pensando em pôr abaixo a Estação Balneária, não é?

HOVSTAD – De modo nenhum. Muito pelo contrário!

DRA. STOCKMANN – Não, não, falávamos de outra coisa. Então, que me diz do meu artigo, Sr. Hovstad?

HOVSTAD – Acho que é, simplesmente, uma obra-prima.

DRA. STOCKMANN – Verdade? Que bom que o senhor gostou!

HOVSTAD – Está muito preciso e informativo… não é necessário ser do ramo para compreendê-lo. Tenho certeza de que a senhora terá ao seu lado todas as pessoas esclarecidas.

ASLAKSEN – E todas as pessoas sensatas, não é?

BILLING – Sensatas ou insensatas – toda a cidade estará com a senhora.

ASLAKSEN – Neste caso, então, acho que poderemos imprimir o artigo.

HOVSTAD – Ele sairá amanhã.

DRA. STOCKMANN – Claro que sim. Não há tempo a perder. Ouça, Sr. Aslaksen, eu gostaria que o senhor mesmo se encarregasse do manuscrito.

ASLAKSEN – Deixe-o por minha conta.

DRA. STOCKMANN – Cuide-o como de um tesouro. Nada de erros! Cada palavra tem sua importância. Voltarei mais tarde para revisá-lo. Estou ansiosa para vê-lo impresso e na rua.

BILLING – Sim, na rua… como uma bomba.

DRA. STOCKMANN – Submetida ao julgamento de todos os cidadãos. Se vocês soubessem o que passei hoje! Fui ameaçada. Tentaram tirar-me os mais elementares direitos como mulher.

BILLING – Como? O que diz a senhora?

DRA. STOCKMANN – Quiseram aviltar-me, transformar-me em uma covarde. Me pressionaram a negar tudo aquilo em que eu mais acredito.

BILLING – Mas isso é demais!

HOVSTAD – Oh! Dessa gente pode-se esperar tudo.

DRA. STOCKMANN – Mas comigo vai ser diferente. Eles verão ao ler o meu artigo. De agora em diante vou ancorar na Voz do Povo e destas trincheiras mandaremos petardos certeiros!

ASLAKSEN – Epa! Ouça-me…

BILLING – Hurra! Vamos lutar, vamos lutar.

DRA. STOCKMANN – Vamos derrubá-los! Destruí-los aos olhos de toda a gente honrada.

ASLAKSEN – Sim, doutora, mas com moderação.

BILLING – Não, doutora! Não poupe a dinamite!

DRA. STOCKMANN (Sem se deixar perturbar) – …. Agora não se trata só de encanamentos e de esgotos, compreendem? É toda a sociedade que é preciso limpar, desinfetar.

BILLING – A senhora fala como uma libertadora!

DRA. STOCKMANN – É preciso varrer todos esses pobres homens e ideias conservadoras. É preciso varrê-los de todos os lugares! O futuro apresenta perspectivas maravilhosas. Não sei exatamente o que, mas sinto muito claramente e vejo que só as pessoas jovens poderão realizar o sonho de uma vida melhor. Elas devem portar as nossas bandeiras e devem ser as novas comandantes.

BILLING – Muito bom! Ouçam, ouçam!

DRA. STOCKMANN – Basta que nos conservemos unidos e tudo ocorrerá como planejamos. Lançaremos a nova ordem das coisas como se fosse um navio que se lançasse ao mar. Não acham?

HOVSTAD – A meu ver, acho que colocaremos a cidade em novas e boas mãos.

ASLAKSEN – Desde que atuemos com moderação, não correremos nenhum risco.

DRA. STOCKMANN – Com ou sem risco, o que eu faço, faço em nome da verdade, e obedeço somente a minha consciência.

HOVSTAD – A senhora merece o nosso apoio, doutora.

ASLAKSEN – Sim, sem dúvida. A doutora é a melhor amiga de nossa cidade. É uma verdadeira amiga da sociedade.

BILLING – Aslaksen! A Dra. Stockmann é uma verdadeira amiga do povo!

ASLAKSEN – Espero que a Associação dos Pequenos Proprietários de Imóveis em breve lhe conceda este título.

DRA. STOCKMANN (Emocionada, aperta-lhes as mãos) – Obrigada, obrigada, meus caros, meus fiéis amigos. É muito bom ouvir estas palavras! O meu irmão me tratou de modo bem diferente. Mas ele vai pagar tudo com juros! Agora preciso ir visitar um pobre doente que está precisando dos meus cuidados… mas eu voltarei. Cuide bem do manuscrito, Sr. Aslaksen. E, por nada deste mundo suprima um único ponto de exclamação; se possível, acrescente-lhe dois ou três! Até a vista, meus amigos, até a vista! (A doutora é acompanhada até a porta)

HOVSTAD – Esta mulher pode nos ser muito útil.

ASLAKSEN – Sim, enquanto ela se limitar ao assunto das águas. Mas se quiser ir além, não será prudente segui-la.

HOVSTAD – Ora, isso depende…

BILLING – Você, às vezes, é cauteloso demais, Aslaksen.

ASLAKSEN – Cauteloso? Sim, quando se trata da nossa política caseira e seus figurões, eu sou cauteloso, Sr. Billing. E vou dizer-lhe por que: é que a experiência me ensinou muita coisa. Mas se estivesse eu metido na grande política, na política nacional, vocês iam ver como eu não tenho medo de nada!

BILLING – Mas isso é uma contradição, Sr. Alasksen.

ASLAKSEN – Antes de tudo eu sou um moderado. Atacando o governo, não se prejudica ninguém. Essa gente, fique sabendo, pouco se preocupa com os ataques e as acusações. Não é possível desalojá-los dos seus cargos. Já as nossas autoridades locais, é fácil derrubá-las e substituí-las inadvertidamente por agitadores. E isso constituiria um mal irreparável para os pequenos proprietários e para todos.

HOVSTAD – Mas e a educação cívica, a consciência dos cidadãos, isso não é importante?

ASLAKSEN – Quando um homem tem bens, o importante é protegê-los, e não meter-se em questões políticas, Sr. Hovstad.

HOVSTAD – Que Deus me livre, nesse caso, de ter bens a zelar!

BILLING – Claro, claro!

ASLAKSEN (Sorrindo) – Hum! (Apontando com o dedo a escrivaninha:) Antes de você, ocupava esta mesa o Sr. Stensgaard, que depois chegou a um alto cargo na Prefeitura…

BILLING (Cuspindo) – Aquele oportunista!

HOVSTAD – Mas eu não sou uma maria-vai-com-as-outras e jamais o serei.

ASLAKSEN – Um político nunca deve dizer: desta água não beberei, Sr. Hovstad. E o senhor, Sr. Billing, procure conter-se; todo mundo sabe que quer ser secretário na Prefeitura!

BILLING – Eu?!…

HOVSTAD – É verdade, Billing?

BILLING – Sim… é… É verdade. Vocês devem compreender: é só para irritar os nossos poderosos…

ASLAKSEN – Vejam só! Quando me acusam de ser medroso e contraditório, faço questão de afirmar o seguinte: o impressor Aslaksen tem um passado político totalmente transparente. Todos podem investigá-lo. Minhas ideias não mudaram, apenas fiquei mais moderado. Meu coração está sempre com o povo, desde a classe média até os humildes, mas não nego que a minha razão pende um pouco para a gente do governo… refiro-me, bem entendido, às nossas autoridades locais. (Sai)

BILLING – Por que não nos livramos dele, Hovstad?

HOVSTAD -Você conhece alguém disposto a nos adiantar o papel e os gastos da impressora?

BILLING – É… É uma pena não termos o capital necessário!

HOVSTAD (Sentando-se) – Ah, se tivéssemos dinheiro…

BILLING – E se falássemos com a Dra. Stockmann?

HOVSTAD (Folheando papéis) – A doutora? Não adiantaria, ela não tem nada.

BILLING – Sim, mas por trás dela há um homem sólido, o velho Morten Kiil, o Leitão, como é chamado.

HOVSTAD – Você tem certeza de que ele tem dinheiro?

BILLING – Absoluta! E grande parte da fortuna tocará, inevitavelmente, à família Stockmann.

HOVSTAD (Virando-se) – Você conta com isso?

BILLING – Contar? De modo nenhum, não conto com coisa alguma.

HOVSTAD – Faz bem. E também não conte com esse posto na Prefeitura. Garanto que você não o terá.

BILLING – Eu sei disso. E meu objetivo é precisamente não contar com ele. Isso pode ser bom, porque assim eu fico com raiva e estimulado a lutar contra eles. E neste fim-de-mundo os estimulantes são raros…

HOVSTAD (Escrevendo) – Pois é! Pois é!

BILLING – Você ainda ouvirá falar de mim! Mas agora tenho que redigir o apelo à Associação dos Pequenos Proprietários de Imóveis. (Entra na porta à direita)

HOVSTAD – Hum… isso mesmo, é isso mesmo… (Batem à porta) Entre! (Petra entra pela porta do fundo, à esquerda)

HOVSTAD (Erguendo-se, animado) – Ora! A senhorita aqui!

PETRA – Sim, desculpe-me…

HOVSTAD (Oferecendo-lhe uma poltrona) – Não quer sentar-se?

PETRA – Obrigada, a demora é pouca.

HOVSTAD – Algum recado de sua mãe…?

PETRA – Não, venho por conta própria. (Tira um livro do bolso do capote). Vim devolver-lhe aquela novela inglesa.

HOVSTAD – Por que está devolvendo?

PETRA – Porque não me agrada traduzi-la.

HOVSTAD – Mas tinha prometido…

PETRA- Sim, é verdade, mas eu não havia lido, e suponho que o senhor também não a leu.

HOVSTAD – Bem sabe que eu não compreendo o inglês. Mas…

PETRA – Sei. Por isso vim aconselhá-lo a desistir da publicação. (Coloca o livro sobre a mesa). Isto não serve para a Voz do Povo.

HOVSTAD – Por quê?

PETRA – Porque contrário às suas ideias.

HOVSTAD – Sim, mas…

PETRA – Veja se me entende. Esta novela tenta demonstrar que há na terra um poder sobrenatural que protege e recompensa aqueles a quem chama de bons, enquanto que os maus são castigados.

HOVSTAD – Sim! Mas é uma tese notável! Bem ao gosto do povo!

PETRA – Mas mesmo o senhor não acredita numa só palavra de tudo isso. Sabe que, na realidade, as coisas não são assim.

HOVSTAD – Tem toda a razão, senhorita. Mas um redator de jornal nem sempre pode fazer o que quer. Quando são coisas de menor importância deve inclinar-se ante a opinião pública. Já a política é o que há de mais importante no mundo – pelo menos para um jornal. Se quero ter o povo comigo e conduzi-lo à liberdade e ao progresso, devo agir com habilidade. Se eles encontrarem no jornal um conto moralista como esse, mais tranquilamente eles aceitarão as ideias políticas que publicaremos ao seu lado.

PETRA – O senhor seria capaz de utilizar esses truques para conquistar seus leitores? O senhor parece é uma aranha à espreita da presa!

HOVSTAD (Sorrindo, amargamente) – Muito obrigado pelo bom conceito que tem de mim. Mas estas são ideias de BiIling, e não minhas.

PETRA – Ideias de Billing?

HOVSTAD – Certamente. Ou pelo menos era o que ele estava pregando um dia destes. Por isso, era BiIling que fazia tanta questão de publicar essa novela. Como sabe, eu não li o livro!

PETRA – Mas Billing, com as suas opiniões tão liberais…

HOVSTAD – Ora! Billing é um ser complexo. Por exemplo: dizem que ele anda pleiteando o cargo de secretário na Prefeitura.

PETRA – Não posso acreditar nisso, Hovstad. Como ele poderia sujeitar-se às exigências de um cargo desses!

HOVSTAD – Isso só perguntando a ele.

PETRA – Não consigo imaginar tal coisa por parte de Billing.

HOVSTAD (Observando-a fixamente) – Verdade? Isso a surpreende tanto assim?

PETRA – Sim… talvez… pensando bem, nem tanto…

HOVSTAD – Nós, jornalistas, senhorita, não valemos grande coisa.

PETRA – O senhor acredita realmente no que está dizendo?

HOVSTAD – Às vezes acredito.

PETRA – Enquanto se trata apenas de polêmicas sem importância, eu reconheço que pode-se mudar de ideia. Mas hoje que o senhor defende uma grande causa…

HOVSTAD – A de sua mãe?

PETRA – Sim. Isso não faz com que o senhor se sinta um pouco superior ao comum dos homens?

HOVSTAD – Sim, hoje estou me sentindo um pouco assim.

PETRA – Eu considero a missão que o senhor escolheu grandiosa: abrir as portas para a verdade e o progresso, defendendo corajosamente uma gênia incompreendida e humilhada…

HOVSTAD – Principalmente quando essa mulher é… Um… Um… Como direi…

PETRA – Quando essa mulher é honrada, honesta. É isso que o senhor quer dizer?

HOVSTAD (Mais suavemente, insinuante) – Quando essa mulher é justamente a sua mãe, foi o que eu disse.

PETRA (Espantada) – Como!

HOVSTAD – Sim, Petra… Senhorita Petra.

PETRA – Mas não é a verdade que o preocupa antes de tudo? Não é a causa em si? Não é o coração grande e generoso de minha mãe?

HOVSTAD – É isso, sim, é isso… também…

PETRA – Basta. O senhor já falou demais, Sr. Hovstad. Perdi a confiança no senhor.

HOVSTAD – Pode querer-me tanto mal assim, tendo eu feito isso por você? Por tê-la colocado acima de tudo?

PETRA – O senhor não foi sincero com minha mãe. O senhor deu-lhe a entender que se interessava somente pela verdade e o bem público. O senhor enganou-a e enganou a mim mesma. E isso não lhe perdoarei nunca… nunca.

HOVSTAD – Por favor senhorita… não devia falar com tanta dureza, sobretudo neste momento…

PETRA – Por que neste momento?

HOVSTAD – Porque agora sua mãe precisa de mim.

PETRA (Medindo-o de cima a baixo) – Então é dessa espécie de homem que o senhor é? (Faz uma cara de nojo)

HOVSTAD – Suplico-lhe que esqueça o que eu disse. Não acredite…

PETRA – Sei no que devo acreditar. Adeus. (Aslaksen reaparece com um ar meio misterioso)

ASLAKSEN – Com mil raios, Sr. Hovstad… (Vendo Petra) Ai! Ainda mais esta!

PETRA – Deixo-lhe o livro: pode dá-lo a outra pessoa. (Vai para a porta)

HOVSTAD (Seguindo-a) – Mas, senhorita…

PETRA – Adeus. (Sai)

ASLAKSEN – Ouça, Sr. Hovstad!

HOVSTAD – Que houve?

ASLAKSEN – O prefeito está na oficina.

HOVSTAD – O prefeito?

ASLAKSEN – Sim, quer falar-lhe reservadamente. Entrou pela porta dos fundos, para não ser visto.

HOVSTAD – O que ele quer? Mande-o entrar… não, espera. Deixa que eu vou lá. (Dirige-se para a oficina. Abre a porta, cumprimenta e convida o prefeito a entrar)

HOVSTAD – Cuida, Aslaksen, para que ninguém nos interrompa.

ASLAKSEN – Entendido. (Volta para a oficina)

PREFEITO – Não esperava me ver aqui, Sr. Hovstad?

HOVSTAD – Confesso que não.

PREFEITO (Olhando em torno) – Está bem instalado. Isto aqui é agradável, discreto…

HOVSTAD – Discreto?

PREFEITO – O senhor me perdoe por não ter lhe avisado antes da minha visita…

HOVSTAD – Ora, Sr. Prefeito… estou às ordens. (Pega o boné e a bengala do prefeito e coloca em cima de uma cadeira). Queira sentar-se, Sr. Prefeito.

PREFEITO (Sentando-se junto à mesa) – O dia, na verdade, foi bem aborrecido para mim, Sr. Hovstad.

HOVSTAD – Eu imagino, Sr. Prefeito. O senhor está sobrecarregado de trabalho e…

PREFEITO – O aborrecimento a que me refiro me foi causado pela médica do Balneário.

HOVSTAD – Pela doutora?

PREFEITO – Sim. Ela apresentou à Administração das termas uma espécie de relatório onde diz que há vários problemas na Estação Balneária.

HOVSTAD – É mesmo?

PREFEITO – Ela então não lhe falou nada? Eu julguei, pelo que ela me disse…

HOVSTAD – Ah! Sim!… É verdade, ela falou qualquer coisa…

ASLAKSEN (Vindo da oficina) – Eu precisaria do manuscrito…

HOVSTAD (Contrariado) – Está em cima da escrivaninha!

ASLAKSEN (Pegando o manuscrito) – Ah! Sim!

PREFEITO – Mas veja, era justamente disso que eu estava falando…

ASLAKSEN – Sim, é o artigo da doutora, Sr. Prefeito.

HOVSTAD – Ah! Era então a isso que o senhor queria se referir?

PREFEITO – Sim, era exatamente a isso. Que acha o senhor?

HOVSTAD – Não sou competente na matéria. Li-o apenas por alto.

PREFEITO – E mesmo assim vai publicá-lo?

HOVSTAD – Não posso recusar isso a uma mulher como…

ASLAKSEN – Sr. Prefeito, não tenho voz ativa na redação, o senhor sabe.

PREFEITO – Naturalmente.

ASLAKSEN – Limito-me apenas a imprimir o que me entregam.

PREFEITO – Claro, é sua obrigação.

ASLAKSEN – Com licença… (Dirige-se para a oficina)

PREFEITO – Espere um pouco, Sr. Aslaksen. Me permite, Sr. Hovstad?

HOVSTAD – Como não, Sr. Prefeito!? O senhor está em sua casa.

PREFEITO – O senhor é um homem sensato, Sr. Aslaksen…

ASLAKSEN – Alegro-me em ouvir isso, Sr. Prefeito.

PREFEITO – E tem certa influência…

ASLAKSEN – Sobre os pequenos contribuintes, nada mais.

PREFEITO – Os pequenos contribuintes, a classe média, aqui como em toda parte, são os mais numerosos, os que decidem.

ASLAKSEN – É verdade.

PREFEITO – O senhor saberia dizer qual é a opinião da classe média? O senhor deve conhecê-la bem.

ASLAKSEN – Creio que sim, Sr. Prefeito.

PREFEITO – Nesse caso, uma vez que há tanto espírito de sacrifício entre os cidadãos de menos fortuna de nossa cidade…

ASLAKSEN – Como assim?

HOVSTAD – Espírito de sacrifício?

PREFEITO – Uma prova de solidariedade que eu sinceramente não esperava. E, além disso, o senhor conhece muito melhor do que eu a maneira de pensar dessa gente.

ASLAKSEN – Mas, Sr. Prefeito…

PREFEITO – E não serão pequenos os sacrifícios que a cidade vai ter de suportar.

HOVSTAD – A cidade?

ASLAKSEN – Mas não compreendo… E o balneário…

PREFEITO – Segundo um orçamento provisório, as modificações exigidas pela médica das águas vão a duzentas mil coroas, pouco mais ou menos.

ASLAKSEN – É muito dinheiro, mas…

PREFEITO – Teremos, naturalmente, de recorrer a um empréstimo comunal.

HOVSTAD (Erguendo-se com vivacidade) – Sim, mas não há de ser a cidade que…

ASLAKSEN – Tirar o dinheiro dos cofres municipais? Do magro bolso dos pequenos?

PREFEITO – Mas, meu caro Sr. Aslaksen, de onde quer que tiremos o dinheiro?

ASLAKSEN – Isso é um problema dos acionistas da Estação.

PREFEITO – Os acionistas não estão em condições de desembolsar mais do que já o fizeram. Se for decidido levar em frente o plano de reformas proposto pela doutora, quem deverá pagar é a cidade.

ASLAKSEN – Tem certeza de tudo isso, Sr. Prefeito?

PREFEITO – Já verifiquei. Se fizerem todos esses gastos, a cidade é que terá de suportá-los.

ASLAKSEN – Humm…aos poucos estamos vendo que as coisas tomam um rumo bem diferente…

HOVSTAD – É… De fato.

PREFEITO – E o pior é que a Estação Balneária ficará fechada durante pelo menos uns dois anos.

HOVSTAD – Fechada? O senhor disse fechada?

ASLAKSEN – Durante dois anos?

PREFEITO – Sim, no mínimo. É o tempo que durarão os trabalhos de reforma e reparo.

ASLAKSEN – Não poderemos aguentar isso, Sr. Prefeito! E de que viveremos durante esse tempo, nós os proprietários?

PREFEITO – Infelizmente, Sr. Aslaksen, não sei o que lhes responder. Mas o que quer que eu faça? Os senhores acreditam que, depois de tudo, virá alguém procurar nossa Estação e nossas águas? Depois de propagandearmos que nossas águas estão poluídas, que vivemos num terreno podre, que toda a cidade está…

ASLAKSEN – Será que tudo isso não passa de uma simples fantasia da doutora?

PREFEITO – Eu acredito que sim.

ASLAKSEN – Neste caso, a Dra. Stockmann cometeu um erro realmente indesculpável… Perdoe-me, Sr. Prefeito, mas…

PREFEITO – É verdade você não diz mais do que uma triste verdade, Sr. Aslaksen. Minha irmã sempre foi uma desmiolada.

ASLAKSEN – E o senhor quer apoiá-la num assunto destes, Sr. Hovstad?

HOVSTAD – Mas, também, quem poderia esperar…

PREFEITO – Eu redigi uma breve exposição sobre o caso, analisando de um ponto de vista imparcial que, aliás, é o único ponto de vista aceitável. Neste texto, eu indico, inclusive, as obras que são possíveis realizar sem ultrapassar os recursos de que os cofres da Estação Balneária dispõem.

HOVSTAD – Tem aí o artigo, Sr. Prefeito?

PREFEITO (Procurando no bolso) – Sim, casualmente está comigo…

ASLAKSEN (Excitado) – Virgem Santa, aí vem ela!

PREFEITO – Minha irmã? Onde, onde? Onde ela está?

ASLAKSEN – Ela entrou pela oficina.

PREFEITO – Eu preferia não encontrá-la aqui. E eu ainda preciso falar várias coisas com vocês…

HOVSTAD (Indicando a porta da direita) – Entre aí e espere um pouco.

PREFEITO – Mas…?

HOVSTAD – Só o Billing está aí.

ASLAKSEN – Depressa, depressa, Senhor Prefeito. Ela vem vindo!

PREFEITO – Está bem. Mas vejam se ele não fica muito tempo. (Sai pela porta da direita. Aslaksen a fecha rapidamente)

HOVSTAD – Aslaksen, finja que está trabalhando. (Aslaksen disfarça, mexendo em papéis, como se estivesse procurando algo).

DRA. STOCKMANN (Vindo da oficina) – Estou de volta!

HOVSTAD (Escrevendo) – Já está de volta, doutora? Apresse-se, Aslaksen. O assunto é urgente e não temos tempo a perder.

DRA. STOCKMANN (Para Aslaksen) – Ainda não tem provas prontas para que eu revise?

ASLAKSEN (Sem se virar) – Não foi possível ainda, doutora.

DRA. STOCKMANN – Está bem. Vocês compreendem a minha impaciência. Só vou descansar quando vir o texto impresso.

HOVSTAD (Pigarreando) – É possível que demore muito tempo ainda, não é, Aslaksen?

ASLAKSEN – É. É possível.

DRA. STOCKMANN – Está bem, está bem, meus amigos. Voltarei daqui a pouco. Voltarei duas, três vezes se for preciso. Uma causa tão grande! Não se pode ficar parado quando o que está em jogo é a salvação da cidade! (Está saindo quando se detém subitamente e volta atrás). Esperem! Tenho ainda algo a dizer-lhes.

HOVSTAD – Desculpe, doutora, mas não podia deixar isso para…

DRA. STOCKMANN – Duas palavras, apenas. É o seguinte: amanhã, quando lerem o artigo, todos verão que passei todo o inverno trabalhando em silêncio pelo bem da cidade…

HOVSTAD – Mas, doutora…

DRA. STOCKMANN – Sei o que vai dizer. Que nada mais fiz do que a minha obrigação de cidadã. Ora essa, sei disso tão bem quanto o senhor. Porém, meus concidadãos, que sempre me dispensaram um tratamento tão generoso…

ASLAKSEN – Sim, doutora, até este momento, na cidade, todos gostavam muito da senhora…

DRA. STOCKMANN – Estou preocupada porque, quando os jovens lerem este artigo, vão concluir que estou sugerindo colocar em suas mãos a direção da cidade. E podem, inclusive, tentar organizar algumas manifestações. O que eu quero deixar claro é que me oponho terminantemente a manifestações de apoio, abaixo-assinados, passeatas ou qualquer tipo de agitação social. Prometam-me que tudo farão para levar a cabo pacificamente este lamentável episódio. Mesmo porque, não quero glórias pessoais…

HOVSTAD (Erguendo-se) – Um momento, doutora, será melhor que saiba da verdade o quanto antes… (Pela porta da esquerda entra Catarina)

SRA. STOCKMANN (Ao ver a doutora) – Tinha certeza de que a encontraria aqui!

HOVSTAD (Para ela) – Bem! E aqui está agora a Sra. Stockmann!

DRA. STOCKMANN – Que diabo vens fazer aqui, Catarina?

SRA. STOCKMANN – Bem podes imaginar o que venho fazer.

HOVSTAD – Quer sentar-se?

SRA. STOCKMANN – Obrigada. Não se incomodem… E não me levem a mal se venho buscar Stockmann. Não devem esquecer que sou mãe de três filhos!

DRA. STOCKMANN – Está bem, está bem. Já sabemos disso.

SRA. STOCKMANN – E apesar de tudo você foi capaz de esquecer deles e de mim. Você está preparando a nossa desgraça!

DRA. STOCKMANN – O que é isso? Está louca, Catarina? Porque uma pessoa que tem mulher e filhos não tem mais direito de proclamar a verdade, o direito de agir como boa cidadã, o direito de servir a cidade onde vive?

SRA. STOCKMANN – Para tudo há limites, Thamy.

ASLAKSEN – É o que eu digo. Moderação, comedimento.

SRA. STOCKMANN – Sr. Hovstad, quero que saiba que está nos causando um mal gravíssimo, arrastando a minha mulher para as lutas políticas, tirando-a da família.

HOVSTAD – Mas eu não estou arrastando ninguém…

DRA. STOCKMANN – Arrastar-me! Acha então que eu me deixo arrastar?

SRA. STOCKMANN – Certamente que sim! Sei perfeitamente que você é a pessoa mais inteligente da cidade, mas, por outro lado, Thamy, é o que se deixa enganar com mais facilidade… (A Hovstad) O senhor sabe que ela será demitida se este artigo for publicado?

ASLAKSEN – Que está dizendo?

HOVSTAD – Francamente, doutora…

DRA. STOCKMANN (Rindo) – Ha, ha, ha! Que experimentem! Pode ficar tranquila, Catarina, porque eu tenho a meu favor a opinião pública.

SRA. STOCKMANN – É deplorável, Thamy, é deplorável.

DRA. STOCKMANN – Está bem, Catarina, volta para casa, cuida dos teus afazeres e deixe-me tratar dos problemas. Como pode ter medo quando me vê tão confiante e alegre? (Anda de um lado para outro, esfregando as mãos). Ora! Fica certa de que a verdade e o povo ganharão a batalha. Oh! Já vejo todos os liberais cerrando fileiras e marchando para a vitória! (Pára diante de uma cadeira). Mas… Mas o que é isto?

ASLAKSEN (Olhando) – Oh! É que…

HOVSTAD (Igualmente) – Hum…

DRA. STOCKMANN – Vejam só, temos aqui um emblema da autoridade. (Segura com precaução o boné do prefeito e ergue-o delicadamente entre o polegar e o indicador)

SRA. STOCKMANN – O boné do prefeito!

DRA. STOCKMANN – E eis aqui a bengala. Com todos os diabos, o que significa isto?

HOVSTAD – Bem, não há outro remédio…

DRA. STOCKMANN – Ah! Compreendo, ele veio suborná-los! Ha, ha, ha! Mas é claro que inútilmente! E, ao ver-me chegar… (Desata a rir) Escapuliu-se, Sr. Aslaksen?

ASLAKSEN (Com vivacidade) – Pois é, doutora, escapuliu-se.

DRA. STOCKMANN – Escapuliu-se deixando a bengala e… Que bobagem! Peter não é de fugir. Mas o que fizeram dele, afinal? Ah. Já sei, deve estar aí dentro. (Dra. Stockmann põe na cabeça o boné do prefeito, segura a bengala e aproxima-se da porta pela qual desapareceu o Prefeito e a abre)

(Entra o Prefeito, muito irritado, seguido por Billing)

PREFEITO – O que significa esta farsa?

DRA. STOCKMANN – Você deve me respeitar, meu caro Peter. Agora sou eu a autoridade. (Caminha de um lado para outro)

SRA. STOCKMANN (Prestes a chorar) – Que é isso, Thamy!

PREFEITO (Seguindo-o) – Devolva o meu boné e a minha bengala!

DRA. STOCKMANN (Sem mudar de tom) – Se você é o delegado de polícia, eu sou a prefeita da cidade, a autoridade máxima!

PREFEITO – Tire o boné, já disse. Você vai se complicar! Não se esqueça de que é um boné oficial, protegido pelos regulamentos.

DRA. STOCKMANN – Se você é o chefe de polícia, eu sou a chefa da cidade, entende? Você veio lutar contra mim às escondidas. Mas não conseguirá nada! Amanhã faremos a revolução, você já percebeu isso. Você queria despedir-me, mas sou eu quem vai lhe demitir. Vai ter que abandonar todos os cargos de confiança. Você que dizia que eu era incapaz de tomar uma decisão! Pois verá agora! Verá! Tenho ao meu lado todas as forças populares. Portanto somos invencíveis! Hovstad e Billing farão da Voz do Povo a nossa voz, e o impressor Aslaksen marchará à frente da Associação dos Pequenos Proprietários de Imóveis.

ASLAKSEN – Mas doutora, eu…

DRA. STOCKMANN – Fará, sim, fará.

PREFEITO – Sr. Hovstad, o senhor é capaz de ficar ao lado dos agitadores?

HOVSTAD – Não, Sr. Prefeito.

ASLAKSEN – Não, o Sr. Hovstad não é tão louco para arruinar-se e arruinar o seu próprio jornal só por causa de uma fantasia…

DRA. STOCKMANN (Assombrada) – O que você quer dizer com isso?

HOVSTAD – A senhora apresentou a questão de maneira falsa, doutora, e nestas condições eu não posso defendê-la.

BILLlNG – Nem eu, depois que o Sr. Prefeito teve a gentileza de me dar amplas explicações sobre o problema, ali na sala ao lado…

DRA. STOCKMANN – É tudo mentira, intriga! Deixem-me falar. Só quero que publiquem meu artigo e eu vou mostrar como se defende uma ideia quando se tem a convicção de que se está certo.

HOVSTAD – Impossível. Não o publicarei. Não posso, não quero… e não me atrevo a publicá-lo.

DRA. STOCKMANN – Não se atreve? Que conversa é essa? Não é o senhor o diretor? Não é o senhor que manda no jornal?

ASLAKSEN – Não, senhora doutora, são os assinantes.

PREFEITO – Felizmente.

ASLAKSEN – É a opinião pública, doutora. As pessoas esclarecidas, os proprietários de casas, a classe média e os demais proprietários, são eles que dirigem os jornais.

DRA. STOCKMANN (Perplexa) – E todos estão contra mim?

ASLAKSEN – Sim, senhora. Se seu artigo fosse publicado seria uma verdadeira ruína para a nosso povo.

DRA. STOCKMANN – Não posso acreditar.

PREFEITO – Meu boné e minha bengala! (Dra. Stockmann coloca o boné e a bengala em cima da mesa. Peter recolhe com vigor)

PREFEITO – Não durou muito a sua autoridade…

DRA. STOCKMANN – Não, não está tudo acabado. (A Hovstad). Então, decididamente, o senhor não vai publicar meu artigo na Voz do Povo?

HOVSTAD – Isso me é completamente impossível, quando mais não fosse em consideração a sua família.

SRA. STOCKMANN – Oh! Sr. Hovstad, não se preocupe com a nossa família.

PREFEITO (Tirando do bolso um papel) – Bastará para esclarecer a população a publicação desta nota oficial. Este sim é um artigo de verdade. Quer publicá-lo?

HOVSTAD (Tomando o papel) – Será publicado. Obrigado, Sr. Prefeito.

DRA. STOCKMANN – E o meu artigo, não? Acreditam que podem me calar, afogar a verdade? Não é tão fácil como pensam. Sr. Aslaksen, por favor, pegue o meu manuscrito e mande imediatamente imprimi-lo. Eu vou pagar. Faça uma tiragem de quatrocentos… não, quinhentos exemplares.

ASLAKSEN – Nem por todo o ouro do mundo permitirei que minhas máquinas imprimam seu artigo, Dra. Stockmann. Não podemos ir contra a opinião pública. Em toda a cidade a senhora não achará quem o imprima.

DRA. STOCKMANN – Então devolva-o.

HOVSTAD (Entregando-lhe o manuscrito) – Aqui está.

DRA. STOCKMANN (Agarrando o chapéu) – É fundamental que o povo conheça as minhas opiniões. Vou convocar uma grande assembleia popular. E preciso que todos os meus concidadãos ouçam a voz da verdade.

PREFEITO – Nenhuma sociedade vai ceder o local.

ASLAKSEN – Nenhuma, tenho certeza!

SRA. STOCKMANN – É uma vergonha! Mas por que estão todos contra você, Thamy?

DRA. STOCKMANN (Furiosa) – Eu vou dizer por que: é porque nesta cidade não há homens; há somente pessoas que, como você, só pensam nas suas famílias e nem um pouco na comunidade.

SRA. STOCKMANN (Pegando-a pelo braço) – Nesse caso, eu vou lhes mostrar que uma… uma pobre mulher pode, às vezes, valer tanto ou mais do que vale um homem. Agora, Thamy, estou contigo!

DRA. STOCKMANN – Bravo! Catarina! É muito importante que as pessoas conheçam o meu relatório. Nem que eu tenha que percorrer a cidade com um tambor e lendo em todas as esquinas.

PREFEITO – Você não é louca a esse ponto!

DRA. STOCKMANN – Você vai ver como sou!

ASLAKSEN – A senhora não achará em toda a cidade um único homem que o acompanhe.

SRA. STOCKMANN – Não se entregue, Thamy! Tanto Morten como Eilif lhe seguirão.

DRA. STOCKMANN – E mais você e Petra!

SRA. STOCKMANN – Não, não, eu não. Mas ficarei na janela para vê-los passar e olharei. Prometo-lhe.

DRA. STOCKMANN (Abraça-a e beija-a) – Obrigada, Catarina! Senhores, começou a batalha. Ah! Vamos ver se os covardes conseguirão fechar a boca de uma patriota que luta pelo bem comum! (Sai com a mulher)

PREFEITO (Abanando a cabeça com preocupação) – Ela acabou sendo também contagiada pela loucura.

 

PANO

 

Adaptação: Mirna Wabi-Sabi
Revisão: A Inimiga da Rainha e Lookas Souza