Encharcar carne podre em ácido vermelho e vendê-la para pessoas de baixa renda é violência. Evitar multas internacionais e vender o pior produto para a população local é violência. Aumentar o preço do transporte público enquanto rouba-se o dinheiro destinado à infra-estrutura é violência. Fazer barulho, parar o trânsito e interromper os negócios-como-de-costume é a resistência à violência. Ontem houve um protesto em uma das partes mais ricas do Rio, Ipanema, que depois de 3 horas ficou assim:
Esta lata de lixo é a paz. Milhares de pessoas passaram por aqui de forma pacífica e rápida para ver pessoas famosas, algumas das quais eram apoiadoras de Bolsonaro, cantando e posando para câmeras. Havia cartazes para download feitos por designers que você poderia imprimir e trazer para to ato. Havia drones e lindas fotos como se marcas estivessem dirigindo um anúncio. Terminou em uma hora decente, para não perturbar os ricos moradores do limitado trecho de rua entre Ipanema e Leblon. A resistência está sendo entregue pré-embalada, patrocinada e higienizada para o metro quadrado mais caro do Rio de Janeiro.
Muitas pessoas com quem conversei afirmam que protestos violentos e disruptivos distraem da mensagem real, mas não é a paz que nos distrai da violência que estamos resistindo? Precisamos dizer por favor e evitar pisar nos dedos das pessoas para sermos ouvidos? Nós não estamos sendo ouvidos, estamos sendo manipulados, coagidos e silenciados.
Mesmo os protestos que adoramos chamar de “pacíficos” foram perturbadores e deixaram muita gente desconfortável. Rosa Parks pode ter se sentado pacificamente em um ônibus, mas seu protesto não foi pacífico, ele enfureceu, perturbou e deixou as pessoas certas muito desconfortáveis. E pelas pessoas certas eu quero dizer– o governo, a lei. Ela descumpriu a lei.
Você sabe quem não está infringindo a lei? O BNDES quando transformaram a JBS na maior produtora de proteína animal do mundo. A JBS, por outro lado, tem envolvimento com corrupção, escravidão e compra de gado de regiões desmatadas ilegalmente. Deveríamos ter respeito pela lei, enquanto a lei protege as instituições responsáveis pela destruição do planeta?
É uma ironia chamar a indústria de um símbolo de desenvolvimento para o nosso país. E é uma certa ironia para os governos europeus criticarem o nosso governo por seguir os padrões europeus de desenvolvimento. Os povos indígenas têm consumido carne de forma sustentável por milhares de anos, agora devemos acreditar que os europeus sabem melhor como tratar nossos tesouros naturais, após centenas de anos de exploração colonial.
“A UE é a segunda maior parceira comercial do Brasil [… e] a maior investidora estrangeira”.
“O Brasil é o maior exportador de produtos agrícolas para a União Européia em todo o mundo”.
Nós exportamos alimentos para a Europa e importamos de lá as máquinas necessárias para industrializar e maximizar essa produção de comida. O produto da mais alta qualidade é enviado para o exterior, e o que resta para nós não é bom o suficiente ou é ilegal ser vendido lá fora. Além disso, muitas dessas empresas de exportação de alimentos estão ligadas e co-dependentes de empresas internacionais. A JBS, por exemplo, é tecnicamente uma empresa brasileira, mas tem a maior participação empresarial na Pilgrim’s Pride Corporation, uma empresa de avicultura dos EUA.
O que significa exatamente ser uma empresa brasileira? Primeiro de tudo, significa que você precisa ter base em São Paulo. Brincadeira…? Bem, deve ter algo a ver com ter donos brasileiros e ter base no Brasil. Mas as coisas ficam complicadas. A Família Batista, dona da JBS, também possui “participações empresariais” em mídia, eletricidade e até mesmo chinelos. Eu posso garantir que a maioria dos brasileiros já teve acesso a comida, eletricidade, TV e Havaianas. Mas eles também existem porque, através deles, o mundo tem acesso aos nossos recursos. Isso significa que 75% dos lucros da JBS são dos Estados Unidos e da Europa.
Como protestamos contra a injustiça daqueles que fornecem algumas de nossas necessidades e contra aqueles que mentem, nos prometendo “desenvolvimento”? Causando desconforto. Não há como implorar, não há boicote, não basta posar para fotos e ter 500 compartilhamentos do Facebook. Tem que haver dano em como as coisas estão operando. Precisamos causar danos ao que causa danos às pessoas e ao mundo. Como você pode causar algum dano ao sistema?
“Um governo que usa a força para manter seu domínio ensina os oprimidos a usar a força para se opor […] a isso, nossas formas de violência eram possíveis. Há sabotagem, guerrilha, terrorismo e revolução aberta. Nós escolhemos adotar o primeiro. A sabotagem não envolvia perda de vidas, e oferecia a melhor esperança para futuras relações raciais. Acreditávamos que a África do Sul dependia, em grande parte, do capital estrangeiro. Sentimos que a destruição planejada de usinas de energia e a interferência nas comunicações por via férrea e telefônica afugentariam a capital do país, obrigando assim os eleitores do país a reconsiderar sua posição.”– Nelson Mandela
______
texto: Mirna Wabi-Sabi, em inglês aqui.