Fiquei internada duas semanas numa clínica de reabilitação, considerada uma das melhores do estado do Rio de Janeiro. Ela tinha um cronograma de horários para o dia inteiro. Dentro dele o que mais me interessou foi um chamado Grupo de Apoio. Uma simulação dentro da clínica das reuniões de Narcóticos Anônimos. Entrei bem empolgada, já que sou membro de NA e iria sentir falta das reuniões. Realmente, o GA foi a melhor parte da minha estadia na clínica. Só que de cara notei algo, eu era a única mulher a frequentar aquela reunião. Pelo menos nos primeiros dias foi assim. No resto das minhas duas semanas, eu só vi duas mulheres além de mim nas reuniões. Achei esse fato bastante curioso e digno de pesquisa.
A clínica era dividida entre os pacientes de dependência química e os pacientes de psiquiatria. Quando perguntei a um dos homens sobre a falta de mulheres ele me respondeu de cara que sempre foi assim. Ele já havia passado por inúmeras internações e falou que a diferença entre homens e mulheres era sempre de 85% para 15%. Um número absurdo. Fiquei mais intrigada ainda. Então pensei, todos os pacientes de dependência química possuem uma doença chamada adicção e seus principais traços, além da compulsão e da obsessão, são o egocentrismo, a raiva, o egoísmo, a procrastinação e a manipulação. A maioria dos traços que indiquei acima fazem parte da socialização masculina muito mais do que a feminina.
Também entrevistei uma das poucas mulheres que estavam na ala de dependência química comigo e ela me falou que desde pequena era bem “moleca”, que se identificava com os meninos muito mais do que com as meninas e se dava bem melhor com os homens a sua volta.
Pensei também no NA – a única organização realmente de cunho horizontal e que me ajuda a ficar limpa todos os dias. As companheiras mais velhas sempre relatam que no começo do grupo a existência de mulheres era mínima. Existiam poucas companheiras. Agora o NA é cheio de mulheres. Mas as clínicas de reabilitação continuam com essa diferença drástica.
Existem várias possibilidades para isso. Já podemos excluir que isso é uma doença que os homens têm mais que as mulheres, devido ao número de companheiras nas salas de NA. Mas podemos sim pensar que as mulheres pedem menos ajuda para esse problema, já que estão socializadas para não incomodar. Elas implodem em vez de explodir. E isso é grave. Já que se trata de uma doença crônica e incurável. E nos leva a ter uma pesquisa mais empobrecida sobre a própria doença, já que temos muito mais relatos masculinos do que femininos em clínicas.
O costume de não querer incomodar, ou não partir para medidas como a internação pode interferir e muito na cura de várias mulheres que portam a doença da adicção. Pelos dados da instituição da Fiocruz os homens já consomem muito mais drogas que as mulheres. A diferença é um percentual de 5% entre os homens e um percentual de 1,5% entre as mulheres. Isso quando falamos de maconha, a droga ilícita mais usada no país.
Outro dado que podemos levar em conta e fazer um paralelo seria o do suicídio. Homens internalizam dores mais do que as mulheres, não pedem ajuda e cometem mais suicídios que mulheres, apesar de mulheres cometerem mais tentativas de suicídios. Isso também é levado para o lado da questão da preservação do corpo e do cuidado institucionalizado na educação feminina. Os homens usam métodos mais agressivos que as mulheres para se matar. Eles não têm o valor da preservação do corpo e são socializados para serem bem mais impulsivos. Nas drogas é o mesmo, os homens as usam de forma muito mais agressiva e impulsiva do que as mulheres.
Podemos concluir que esses dados se dão muito por conta da socialização feminina, que ensina as mulheres a serem mais cuidadosas, se preservarem mais e conterem seus instintos, por mais dor que elas estejam sentindo. Enquanto os homens podem vagar livremente e até falar bem mais livremente dos seus atos por causa da normalização da impulsividade e da irresponsabilidade na socialização masculina. O que nos leva a questionar estatísticas.
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texto: Ana Botner