Hoje, bielorrussos se manifestam contra o regime de 26 anos de Lukashenko. Como anarquistas, pessoas críticas ao sistema ‘democrático’, acreditamos no direito de uma comunidade, seja ela a população de uma nação ou não, de se manifestar contra o autoritarismo.
No Brasil, a democracia não trouxe liberdade, igualdade ou paz. Nosso país tem um governo cruel — nem mais, nem menos cruel do que o da Bielorrúsia, apenas diferente. Ao reconhecer nossas diferenças, podemos também enxergar nossas semelhanças — nossa luta contra o Estado, e seu aparelho de repressão, de medo e da miséria inflinginda aos corpos de dissidentes.
Nesta série, compartilharemos traduções de relatos de bielorrussos exilados na Polônia.
Estes são os de Aliaksei Batsianouski e Aliaksandr Kanetski.
Aliaksei Batsianouski
Logo após as eleições presidenciais na Bielorrússia, em 10 de agosto de 2020, eu fui violentado voltando para casa após o trabalho noturno. Eu estava passando pelo cruzamento de uma das ruas de Minsk. Surpreendentemente, fui espancado com cassetetes e fui perseguido por oficiais do Departamento de Assuntos Internos. Pessoas uniformizadas com máscaras pretas, armas de fogo e cassetetes correram até o carro e começaram a me espancar. Fiquei com muito medo pela minha vida e comecei a correr. Eles começaram a me perseguir de carro, e depois me empurraram para a lateral da estrada para sofrer uma colisão com um aríete, onde eu bati em um bloco de concreto. Então eles correram, me tiraram do carro e me espancaram até eu perder a consciência.
Os policiais me acusaram, e ainda me acusam, de participar de comícios ilegais e coordenar protestos. Com ferimentos graves e inconsciente, fui levado ao pronto-socorro. Recebi um diagnóstico — traumatismo cranioencefálico, contusão do coração e órgãos internos, pernas, contusão grave do braço e da mão, fratura da falange do dedo esquerdo. Enquanto estava no hospital, por recomendação de um advogado, foi apresentado um requerimento contra os funcionários da Corregedoria por causar lesões corporais graves e anexei todas as provas. Depois disso, começou a perseguição por parte do governo. A este respeito, não tendo tempo para ser tratado, fui forçado a deixar a cidade, e depois, a deixar o meu país, a República da Bielorrússia.
No momento, ainda estou em um centro de reabilitação e minha mão esquerda ainda não funciona. Na Bielorrússia, deixei minha amada esposa e um filho de meio ano, que agora não podem mais sair do país… Eles estão lá sozinhos e sendo intimidados pelas forças especiais por causa do meu acidente, porque eu estava no lugar errado na hora errada. Até agora, meu carro está detido ilegalmente, casos com graves violações da lei foram inventados e multas pesadas foram impostas, minhas contas estão bloqueadas e meu negócio foi paralisado.
Nem um único processo criminal foi iniciado sobre o fato de violência contra cidadãos comuns que nada têm a ver com as manifestações e protestos. Para justificar as duras ações das forças de segurança, processos criminais são inventados contra os civis feridos. As decisões do tribunal bielorrusso são ilegais.
Lamento muito não poder regressar à Bielorrússia ainda, porque temo pela minha saúde e liberdade. Além disso, não tenho oportunidade de ajudar minha família, desenvolver um negócio ou continuar meus estudos na Bielorrússia. Na Polónia, obtenho um visto humanitário, que atualmente não oferece oportunidades de emprego. Eu realmente espero que num futuro próximo a situação mude, eu serei capaz de melhorar o padrão de vida de minha família, promover o desenvolvimento democrático; o bem comum entre os povos da Polónia e da Bielorrússia.
Aliaksandr Kanetski
Em 9 de agosto, durante as eleições para o Presidente da República da Bielorrússia, votei em Sviatlana Tikhanouskaya. Houve uma manifestação sem precedentes de bielorrussos para este candidato durante vários meses pré-eleitorais. As pessoas finalmente viram quantos deles estavam insatisfeitos com o governo de Lukashenko. Não havia grandes esperanças de eleições justas, mas todos queriam mostrar que não suportariam mais essas injustiças e mentiras constantes.
À medida que as assembleias de voto estavam fechando, os protocolos começaram a aparecer declarando os resultados com uma grande margem a favor de Lukashenko. Esse fato irritou as pessoas. Fui com minha namorada e um grupo de amigos ao centro da cidade para participar dos protestos das pessoas que discordaram das eleições fraudulentas. Mesmo perto de nossa casa na rua Pushkinskaya, havia muitas pessoas dirigindo e caminhando até o centro da cidade. Milhares de pessoas estavam indo de todos os lugares em direção ao Obelisco da Cidade Heroica de Minsk.
A avenida foi bloqueada pelas forças de segurança. Havia uma grande distância entre eles e o povo, todos aplaudiam e gritavam: “A polícia está com o povo!” Várias vezes, as pessoas se separaram e deixaram as ambulâncias passarem. Granadas explodiam de vez em quando, as pessoas recuavam alguns metros, mas novamente avançavam. Mas logo as granadas começaram a explodir cada vez mais perto, as pessoas começaram a fugir. A maioria foi para a Avenida da Independência. Mas a estrada estava bloqueada. Em algum momento, a estrada de volta também foi bloqueada pelas forças de segurança e as pessoas se viram em uma armadilha. Novamente, granadas voaram e gás lacrimogêneo foi disparado. As pessoas se espalhararam.
Vários de meus amigos e eu fugimos das forças de segurança, mas fomos cercados. Éramos cerca de 15 pessoas, sentadas na varanda de um prédio e aguardando a p
risão. Alguns segundos antes da chegada das forças de segurança, ouvi uma explosão e senti uma dor aguda na perna. Todos os caras foram agarrados e jogados em uma carroça da polícia. Consegui ver que minha namorada foi liberada.
Estávamos sendo levados para algum lugar. Os detidos perceberam que eu estava sangrando muito e usaram uma luz de telefone para ver o que estava acontecendo: havia um ferimento profundo no meu pé. Eles nos levaram para a prisão de Akrestin. Eu pulei para a parede ao longo da qual os detidos estavam. Então os policiais me chamaram de lado e chamaram um médico. O médico tirou uma bala de borracha do meu pé, enfaixou minha perna e chamou uma ambulância. De manhã, fui levado a
um hospital militar em Minsk, onde foi revelada uma fratura óssea, e no dia seguinte fui operado no pé.
Durante os primeiros dois dias de protestos, 60 pessoas foram internadas no hospital com ferimentos à bala. Meus colegas de quarto eram um cara com calcanhar amassado e um homem com cinco ferimentos a bala.
No quinto dia, coloquei gesso na minha perna e tive alta. No mesmo dia, sob pressão do público, meus amigos também foram libertados da prisão. Eles contaram muitas histórias horríveis sobre sua experiência na rua Akrestsin. Por duas semanas, usei muletas para ir aos exames médicos e exames forenses. Logo, aceitei uma oferta da Casa Bielorrussa em Varsóvia para partir para a Polônia para tratamento e reabilitação, pois temia um processo criminal.
No momento, nenhum processo criminal foi movido sobre o fato de violência contra manifestantes. Ao contrário, para justificar as duras ações das estruturas de poder, foram forjados processos criminais contra as vítimas. As decisões do tribunal bielorrusso não são independentes nem justas.
Atualmente, estou fazendo um curso de reabilitação na Polônia. Infelizmente, ainda não posso retornar à Bielorrússia, pois temo por minha saúde e liberdade. Com o inestimável apoio de voluntários bielorrussos locais, espero ter a oportunidade de trabalhar e estudar aqui.
Apesar de tudo, estou muito orgulhoso dos bielorrussos. E acredito que em breve nós mesmos poderemos construir juntos o futuro de nossa Pátria.
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Traduzido do Russo para o Inglês por Inna Shulga, e do Inglês para o Português pela Inimiga da Rainha.