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Antifascistas em Defesa da Armênia

Não precisamos nos tornar mais uma geração a cair na armadilha da desinformação em massa e do desinteresse pelo bem-estar daqueles que diferem de nós. Ainda ha tempo de usar os avanços tecnológicos de nosso século para pôr fim, de uma vez por todas, a algumas das práticas mais horríveis que vimos ao longo da história humana.

O mundo está testemunhando os ancestrais de uma civilização multimilenária, com uma língua, cultura e história únicas, chegando cada vez mais perto da aniquilação. Há dois meses, o Azerbaijão, com apoio militar da Turquia, atacou uma região conhecida como Artsakh, ou Nagorno-Karabakh, que é habitada por armênios há milhares de anos. A Turquia e o Azerbaijão negam o genocídio armênio de mais de um século atrás, enquanto ainda propagam violência militar contra armênios e recusam-se a permitir soberania territorial de regiões tradicionalmente armênias hoje. Para evitar que a história se repita, devemos olhar para este ponto do planeta, ouvir as histórias de seu povo e buscar novas formas de defender aqueles cujo recurso mais valioso é sua humanidade.

“O Azerbaijão quebrou acordos de cessar-fogo de 1994* e começou a bombardear e destruir não apenas bases militares, mas também infraestruturas civis. Este ataque foi premeditado e foi totalmente apoiado pela Turquia. Neste ponto, é óbvio que o conflito não era apenas sobre disputas territoriais, mas mais sobre uma agenda étnica.”

(Mané Andreasyan, uma ativista armênia, em diáspora nos Estados Unidos desde 1995. Autora de “Armênia, uma civilização se protegendo contra o pan-turquismo”)

* “Um cessar-fogo mediado pela Rússia” (National Geographic)

Essa agenda étnica vem da História Antiga, mas não é coisa do passado. A lenda diz que os vales dos rios de Artsakh foram onde os descendentes de Noé se estabeleceram. A partir do século VI AC, a Armênia se tornou um império, se expandindo de mar a mar. Sua língua e alfabeto são de origem indo-europeia distinta, datando pelo menos 5 mil anos. Seus artefatos e arquitetura “também escreveram continuamente a história de sua evolução” (Armenian Origins, de Thomas J. Samuelian).

No final de 1800 e no início de 1900, tensões religiosas e étnicas entre a Armênia e seus vizinhos muçulmanos levaram o Império Otomano a cometer atos hediondos de violência contra a população armênia. Entre 1914 e 1923, um milhão e meio de armênios foram mortos por forças turcas. No início, deportações em massa, trabalho forçado e fome paralisaram a população armênia em Constantinopla. Em seguida, houve genocídio — assassinatos em massa e marchas em direção ao deserto da Síria.

“Os turcos são muçulmanos e os armênios são historicamente a primeira nação cristã. Os turcos acredita(va)m que os armênios eram/são uma raça inferior e deveriam ser massacrados.” (Mané Andreasyan)

As táticas de extermínio de Hitler foram aprendidas com Talaat Pasha, o principal perpetrador do genocídio armênio, incluindo o uso de campos de concentração pelo Império Otomano. Em 1939, pouco antes da invasão nazista da Polônia, Hitler mencionou o Holocausto Armênio em um discurso aos seus comandantes. Ele procurou motivar os soldados a massacrar os poloneses, apontando que o aspecto memorável dessa conquista territorial não seria a matança, mas a força da nação alemã. “Quem, afinal, fala hoje da aniquilação dos armênios?” Essa aniquilação deve ser falada.

Logo após a Revolução de 1917, os russos sovietizaram a Armênia e o que mais tarde se tornaria o Azerbaijão. A língua russa foi ensinada nas escolas, tecnologia russa se espalhou, religião foi desencorajada e esperava-se que a consciência de classe estabelecesse “solidariedade fraternal” (Stalin) entre povos que historicamente estavam em guerra. Meio ano depois de Stalin escrever que “o Azerbaijão renunciou voluntariamente a sua reivindicação” a Artsakh, ele concedeu-a a eles em julho de 1921. Embora a região fosse tecnicamente atribuída aos azeris, ela aproveitou uma certa autonomia administrativa durante os anos soviéticos. Desde a queda da URSS, no entanto, grande parte da população de Artsakh luta pela independência ou para se re-unir à Armênia.

“Artsakh tem o seu próprio presidente. A luta tem sido pela autodeterminação, sem os azeris e a perturbação turca.” (Andreasyan)

Depois de uma revolta popular bem-sucedida, um novo primeiro-ministro assumiu o poder na Armênia. Em setembro deste ano, no entanto, dois anos após sua instalação, foi assinado um acordo de paz que entregou Artsakh ao Azerbaijão, forçando milhares de armênios a escapar de suas casas. A decepção é generalizada, assim como a preocupação com o futuro. Se o sufocamento do povo e do território armênio continuar, o que será dos ancestrais desta civilização?

Ser antifascista nestes tempos exige uma compreensão da história que vai além do que é apresentado pela cultura popular. Se o conceito inimaginável de espectadores na Alemanha nazista ainda nos assombra, o que seremos daqui a cem anos? Não precisamos nos tornar mais uma geração a cair na armadilha da desinformação em massa e do desinteresse pelo bem-estar daqueles que diferem de nós. Ainda ha tempo de usar os avanços tecnológicos de nosso século para pôr fim, de uma vez por todas, a algumas das práticas mais horríveis que vimos ao longo da história humana.

Enquanto as fake news se tornam uma arma de guerra, obstruindo um caminho já difícil à solidariedade, não devemos deixar de nos engajar por causa disso. Muitas vezes, as situações mais complexas são as que mais precisam de nossa atenção. Realidades distantes, com histórias complicadas, são apenas mais um motivo para buscar informação e oferecer ajuda àqueles cuja existência está ameaçada. A existência do povo armênio está ameaçada e eles não oferecem ao mundo muito mais do que sua cultura ancestral e história única. A intervenção estrangeira pode muito bem ser neste caso necessária, uma exigência do local, sem segundas intenções, apenas com verdadeira solidariedade e respeito pelo seu povo.

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texto: Mirna Wabi-Sabi

Fotografia: Harout Barsoumian