Dizem-nos que a palavra Anarquia precisa de constante explicação; que sempre que usada em seu sentido literal, deve ser definida. Existe alguma outra palavra em que isso não seja verdade? A introdução de novas ideias na mente de um homem não é acompanhada pelo uso de uma palavra especialmente cunhada, mas pela adaptação de palavras antigas para usos mais amplos. Mesmo a palavra autogoverno não transmitiria nosso significado em sua generalização mais ampla. Esta palavra foi entendida desde sua introdução no uso geral para significar um sistema de governo representativo – a delegação de direitos pessoais para ser representado por outra pessoa é considerada a abordagem de liberdade mais elevada possível em um estado.
Na busca do estabelecimento, não de um sistema de governo, mas da maior extensão de liberdade, o uso desta palavra seria muito mais questionável do que o da palavra Anarquia, e isso porque carrega consigo um reconhecimento do governo e a necessidade da ação política; Conde Derby[1] vangloriou-se quando Primeiro-ministro da Câmara dos Lordes dos “princípios do governo popular” da Inglaterra.
Em todos os casos em que os americanos usam a palavra “autogoverno”, ela carrega consigo a ideia de representação, bem como a de administração. Os Estados na União, por seus “direitos residuais”, possuem autogoverno e os indivíduos gozam do mais pleno autogoverno; o problema é que a liberdade ainda não adquiriu uma tutela substantiva de eras passadas, não foi superada tão amplamente, mas o halo de autoridade ainda permanece em torno de todas as nossas palavras.
No entanto, a humanidade tende sempre mais e mais ao individualismo, isto é, ao verdadeiro autogoverno, que é o único governo verdadeiro, justo e são. Hoje estamos passando de problemas políticos para problemas econômicos, sobre os quais o Estado não tem influência, sendo a criatura das condições econômicas existentes; portanto, é necessária uma palavra que, embora não condene a administração, expresse inequivocamente oposição ao governo político. As velhas garrafas serviam para conter o velho vinho da política. As questões econômicas, não sendo solucionáveis por métodos políticos, exigem novas garrafas para as novas ideias na evolução do tempo.
O governo é estacionário, o crescimento social é progressivo; consequentemente, nos encontramos em um ponto em que os governos se tornam uma barreira ao progresso econômico. É verdade que essa posição é uma reversão da crença comumente aceita, de que o governo é uma ajuda para o progresso. Mas um estudo atento da origem, tendência e operações de todos os governos mostrará que eles nunca levam ao progresso.
Governos sempre são o significado para a “ordem estabelecida das coisas”. Portanto, usamos a palavra anarquia, o negativo do governo, e a manteremos quando o estado político se fundir na comunidade social.
The Liberator, 3 de fevereiro de 1906
Título original, “Anarquismo”
Tradução: A Inimiga da Rainha
[1] Lucy aqui pode estar fazendo menção a Edward Smith-Stanley, 14º Conde de Derby, (1799-1869), que foi por três vezes Primeiro-ministro britânico. Ele foi um herdeiro de uma das mais antigas, ricas e poderosas famílias britânicas. Em sua administração, foi promulgada a Lei da Representação do Povo de 1867 que deu pela primeira vez o direito de voto à parte da classe trabalhadora inglesa. No entanto, tal lei introduziu apenas uma redistribuição insignificante de assentos no legislativo. A intenção dessa lei foi, sobretudo, a de ajudar o Partido Conservador ao qual pertencia o Conde Derby.