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ASFIXIA GENERALIZADA

O que viveremos nas próximas semanas será um estado de horror. Um reflexo de nossas ações de furar a quarentena nesses últimos meses. A perspectiva segundo os especialistas é de que isso se expanda cada vez mais pelo país. E desolados nos questionamos o dia inteiro, o que fazer diante de tudo isso?

Hoje o dia amanheceu chuvoso em Salvador, uma cidade que na maior parte do ano é banhada pelo sol. Parece que os ares mórbidos da catástrofe da Covid em Manaus chegaram até aqui. Como é sabido, seu sistema de saúde está em colapso neste exato momento. Obviamente, o governo federal pouco faz e mais parece se debater como peixe fora d’água. Eles não sabem o que fazer, ou melhor, não interessa a eles agir.

Isso aliás é muito nítido. Já sabíamos que hora ou outra essa bomba ia estourar. O Brasil nos últimos meses mais que relaxou a quarentena, praticamente dispensou-a. A indiferença passou a reinar. Indiferença essa cultivada já a tempos, diante da normalização da morte anual de mais de 60 mil pessoas negras. Cultivada quando tornamos cotidiano esse sentimento gélido ao passarmos apáticos por moradores de rua pela cidade. Ou ao naturalizar um despejo de pessoas sem teto. Apagões éticos cotidianos.

Nem é preciso reafirmar – coisa que já destaquei em outras publicações, aqui no blog da Inimiga – que o governo apenas coloca em prática seu projeto genocida. Isto já é óbvio.

Vi num post do instagram a historiadora Lilia Schwarcz afirmando que a 100 anos atrás, durante a gripe espanhola, o estado do Amazonas foi igualmente afetado pela pandemia, devido as dificuldades de acesso e outras tantas limitações. Porém o que choca mais é estar ciente desse problema histórico, ser alertado pelos especialistas de que aquilo viria a ocorrer e, simplesmente, o governo municipal, estadual e federal, não tomar nenhuma medida antecipada para ao menos minimizar o impacto do que agora vivemos. E, ao contrário, foram coniventes com essa indiferença que causou nosso atual estado de calamidade.

O que viveremos nas próximas semanas será um estado de horror. Um reflexo de nossas ações de furar a quarentena nesses últimos meses. A perspectiva segundo os especialistas é de que isso se expanda cada vez mais pelo país. E desolados nos questionamos o dia inteiro, o que fazer diante de tudo isso?

Não tem outro meio senão a quarentena, as medidas de higiene e todos cuidados que já conhecemos de cor. Meu apelo a todos que leem essa publicação é que façam isso, endureçam seu isolamento. Isso é mais do que necessário agora e desde o começo da pandemia. Mesmo depois da vacina, ainda precisaremos continuar com tais medidas, até a imunização coletiva ser alcançada.

Os brasileiros provam do amargo da escolha que fizeram. Escolhemos o fascismo, por consequência, escolhemos a necropolítica, a lógica em que a economia (e o poder da burguesia branca) vem na frente das vidas. Nesse momento, é esse mesmo fascismo que asfixia e expõe nossas vidas à morte.

Esse governo deveria ser imediatamente afastado. Infelizmente as instituições públicas continuam conivente com isso tudo, até porque a situação já se arrasta a mais de um ano. Nós anarquistas, mais uma vez, insistimos que enquanto esperarmos da elite política uma solução, morreremos. É preciso uma construção diária de núcleos alternativos, coletivos político-sociais, que, desde a base, como uma rede, construa um poder paralelo e comunitário. Não podemos mais ser reféns desses genocidas, esses parasitas de nossas forças vitais.

Atentemos para nosso presente. O momento de maior catástrofe de nosso tempo. Estamos hoje, dia 15 de janeiro de 2021, em um dia fúnebre, insuportável, e o que vêm sempre à mente é:  aprenderemos alguma coisa disso tudo? Alguma mudança virá? Não sei, mas não posso ficar calado e deixar que esse fluxo macabro corra sem nenhuma resistência. A dor de Manaus é a minha e a sua, a dor do Brasil é a nossa. Busquemos por ar. Não nos deixemos ser asfixiados por esses ares mórbidos.

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Autor: Rauan

Imagem: crisvector