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Wabi-Sabi em Murakami: a tradução incorreta do capitalismo

Aqueles que veem uma interação pacífica entre tradição e modernidade são cegos para toda a miséria, morte e destruição que a tradição e a modernidade causam – e sofrem.

Mais uma vez, vou problematizar a descrição do texto de uma obra de arte exposta em São Paulo. Na última vez escrevi sobre o MASP. Agora, vou falar sobre a exposição do Takashi Murakami no instituto Tomie Ohtake. O Instituto traz “pela primeira vez ao Brasil a individual do mítico artista” que criou o estilo estético superflat, onde a fusão da arte tradicional japonesa e a cultura pop moderna grifam o vazio do consumismo japonês pós-guerra.

“Se você não consegue entender a cultura consumista na América, você não consegue entender.” (Murakami, 2005)

Um dos exemplos da arte tradicional japonesa com qual Murakami dialoga é o Wabi-Sabi, um conceito maravilhoso que me inspira todos os dias. É uma visão do mundo vinda de uma estética que foca em aceitar a impermanência, a imperfeição, o incompleto das coisas. Neste lugar, beleza e valor brotam de forma autêntica e espiritual — de uma visão existencial budista. Ela inspira amor e respeito pela integridade do processo natural das coisas; pela sofisticação da simplicidade e da destruição.

Por que isso foi colocado pelo instituto dentro de uma visão idealizada do capitalismo?

Tradução incorreta

É importante destacar a tradução deturpada do texto do inglês para o português. No final da versão em inglês é feita uma comparação entre feudalismo e capitalismo, afirmando que no capitalismo, tradição e modernidade vivem lado a lado. O uso de tinta ‘spray’ para executar uma prática budista tradicional é um exemplo disso.

Na tradução para português, no entanto, um novo conceito foi injetado nisso – a paz. “Tradição e modernidade convivem pacificamente*.” Trata-se de uma tradução incorreta, grosseira, não apenas pelo significado da estética Wabi-Sabi, mas também pela realidade da cultura do grafite no contexto capitalista.

O grafite está entre algumas das formas de arte mais combativas e caóticas. É anticapitalista, derruba os muros da propriedade, desafia a lei, o governo e o sistema. É uma ameaça e, como resultado, é cooptada pelo Capital. Esse processo de desafio, ameaça e cooptação *não*foi*pacífico*.

A estética Wabi-Sabi também não é pacífica. Ela justapõe emoções contraditórias, é desconfortável e imperfeita, e desafia a concepção capitalista de valor e produção. Reconstruir a cerâmica quebrada com ouro é uma reversão da produção capitalista de valor.

O capitalismo é imperfeito, certamente, mas depende de um comportamento uniforme, da cooptação da dissidência, e de que a “beleza” possa ser reproduzida em massa — expandida. Ele não se permite ser visto como impermanente ou incompleto, e é exatamente por isso que ele é insustentável e incompatível com o conceito de Wabi-Sabi.

A produção em massa de produtos impecáveis ​​é incompatível com o princípio de Wabi-Sabi, e retratar o sistema capitalista como pacífico é incompatível com o mundo da arte do grafite. Esta única palavra revelou a inclinação intrigante que tantas pessoas têm para associar o capitalismo ao progresso.

Aqueles que veem uma interação pacífica entre tradição e modernidade são cegos para toda a miséria, morte e destruição que a tradição e a modernidade causam – e sofrem – coexistindo no capitalismo.

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Texto: Mirna Wabi-Sabi

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