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Ação de Mulher Preta

Uma resenha sobre o filme “The Old Guard” – sem “spoilers”.

Read it in english here.

O primeiro filme de ação Hollywoodiano dirigido por uma mulher preta — Gina Prince-Bythewood — foi lançado este mês e é brilhante. Com “o primeiro”, quero dizer que numa lista de 222 diretores, seis são mulheres, cinco são brancas, duas são as irmãs Wachowski, e uma é vietnamita e não está em Hollywood. Demoramos muito tempo para explorar o gênero de ação por uma nova lente. Uma que não centraliza a narrativa em homens sem remorso, cuja interação com mulheres raramente escapa da grotesca objetificação.

Talvez finalmente entraremos numa era onde estar em negação não é mais visto como um sinal de força, e estar fora de contato com suas emoções deixou de ser um sinal de coragem (melhor tarde do que nunca, certo?). “The Old Guard” nos dá alguma ação verdadeira, com incrível coragem e inegável força, mostrando como a ‘viadagem’ não apenas incorpora essas qualidades, mas hoje em dia, na verdade, as define.

Existe verdadeira coragem num homem que professa seu amor por seu parceiro na frente de homofóbicos armados. E há tanta covardia naqueles que se sentem desconfortáveis ​​vendo isso. A personagem de Charlize Theron transcende todos os limites de sexualidade e identidade de gênero. Ela consegue ser relacionável e atraente para praticamente qualquer pessoa em qualquer lugar destes dois espectros, ao mesmo tempo. Andy, a protagonista, pode ser vista em qualquer lugar entre homem, mulher ou não-binária, principalmente porque isso não importa. O que importa é que ela é poderosa, sábia e sexy.

Andy, que nos passa a sensação de oráculo, é imensamente sábia, mas também é imperfeita, disposta a crescer e aprender — sabendo que fraquezas não são nada mais do que um momento entre forças. Esses momentos e a maneira como o tempo passa em geral ao longo do filme são impecáveis. Pode ser lento sem se arrastar e rápido sem abrir mão dos detalhes. Há tempo para pensamentos, angústias e conflitos internos. Tanto que nem mesmo uma subida solitária de elevador tem a oportunidade de ser chata. Enquanto no clímax da ação, há foco nos movimentos, nas feridas e nas dores. Ao contrário do banho de sangue tremido e caótico que estamos acostumados a ver de diretores que recorrem ao excesso para chamar nossa atenção e para ocultar dubles ou outras imperfeições.

Ao evitar esses truques caros e superficiais, abre-se espaço para questões filosóficas interessantes. Por exemplo, como não negligenciar o “custo emocional da morte”, uma questão trazida pela personagem de KiKi Layne. Gina Prince-Bythewood aponta numa entrevista ao National Public Radio que ela queria trazer para o filme o que aprendeu com o livro On Killing, onde é revelado que “o medo de tirar uma vida é tão prejudicial psicologicamente quanto o medo de perder a vida.”

Além disso, a Guerra mudou significativamente ao longo dos tempos e as armas de fogo se tornaram uma porção progressivamente menor de suas estratégias. De que maneira a tecnologia cotidiana se tornou bélica, e o que o anonimato significa em nossa era? Como é único, na história da humanidade, tais níveis armazenamento de dados detalhados sobre praticamente todas as pessoas no planeta. Mas isso provavelmente será explorado com mais profundidade posteriormente.

A mensagem política mais profunda, que é tão profunda quanto Hollywood pode chegar a ser, é sobre o quão difícil é reter a esperança, pois o mundo não parece estar melhorando. Ainda há guerra, miséria, violência e, em particular – vilões que estão dispostos a fazer coisas horríveis com pessoas (e outros animais) em prol do lucro; tudo sob o pretexto de ser para o “bem maior.” A mensagem é clara: qualquer um pode cair nestas armadilhas, e há consequências.

É com essa frustração que pessoas militantes estão bem familiarizadas, com aquela sensação de nadar contra a corrente. Eu digo militante, não ativista, porque todos nós agimos mesmo quando não tomamos decisões. Nem todo mundo escolhe se juntar à luta de frente, porque é constante e não uma conversa ocasional. Para a pessoa militante, o ar que ela respira e o chão sob seus pés estão sempre vibrando a melodia de um grito de guerra.

Nesse sentido, há coerência no fato de que tantos personagens são soldados do exército. Segundo Gina, em geral, a mulher não cresce sendo incentivada a encontrar sua voz, e a explorar sua agressão, força e ambição; algo que ela como atleta foi incentivada a encontrar e viu em outras mulheres atletas também. Talvez essa ideia poderia ter sido transmitida de outra forma, ao invés de pela Marinha dos EUA, mas foi transmitida.

É incerto se uma mulher preta e corajosa na Marinha dos EUA é uma tentativa de incentivar uma simpatia pela “Nação” e seu uso institucionalizado da força, ou uma de mudar o paradigma nacionalista branco em direção ao respeito por pessoas pretas. Eu escolho assumir o último, mesmo que nenhum dos dois sejam muito eficazes. Nacionalistas brancos são a razão pela qual essa indústria cinematográfica tem sido dominada por homens brancos, e provavelmente não mudarão de ideia por causa deste filme. E o movimento Vidas Negras Importam deve poder fazer o que quiser enquanto esses nacionalistas brancos permanecerem no poder.

Com isso em mente, até que ponto esses avanços na representação em grandes mídias resultam em mudanças estruturais substanciais? Ainda estamos para ver. Enquanto isso, você pode se divertir com um filme de ação que pela primeira vez não é desprezível.

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texto: Mirna Wabi-Sabi