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Segunda Soja – Parte 2 de 2

Reitero aqui para NÃO PENSAR na situação socioeconômica do país, nem nas incapacidades administrativas que estão ceifando a vida de milhares, neste exato momento, pois isso estraga a carne. Se concentre no barulho de fritura, no fogão a sua frente, fogo baixo.

Ah… Hambúrguer de Soja… Já comeu?

Recentemente, pela maravilhosa social e econômica situação em que o país se encontra, pessoas e grupos tiveram muitas opções de comida (cada vez mais escassa), o que as levaram a optar por aprender e procurar outras opções para se alimentarem, com o intuito de não morrerem de fome.

Dito isso, coloquei-me a experimentar a soja em seu estado mais chamativo e atrativo para mim: hambúrguer de soja.

Para fazê-lo, é muito simples:

Primeiro, vá ao mercado e aceite que você não pode comprar uma carne. Olhe bem para as cores e toda aquela coloração vermelha (o sangue do animal, caso você esteja com pudores) e lembre que o que você procura não é isto, naquele momento. Você procura um pacote meio esverdeado escrito proteína de soja.

Segundo, escolha bem os temperos, serão eles que irão satisfazer ou pelo menos se esforçarem pra te enganar com relação ao sabor. Escolha cebolas, tomates e pimentões, alhos e cheiro verde, mas apenas os que você julgar como menos aqueles que contenham menos agrotóxicos (a não ser que esse também seja um tempero familiar). Leve também farinha de trigo, a que não estiver há 6 meses na prateleira do mercado, suja de poeira.

Em terceiro lugar, ao chegar em casa e lavar todos os ingredientes, corte-os e coloque a soja para hidratar. Cada um tem uma maneira específica. Uns com a água no fogo, outros com ela na água normal, outros colocam sal na água. Faça da forma que seu bolso permitir.

Depois de lavada e hidratada, tempere-a e coloque a farinha de trigo, que dará a liga. Serão as coisas que as unirão, assim como sua família, há tempos era unida e tirava fotos imensas que ocupavam belos quadros na parede, presas dentro do fatídico “antigamente”.

Logo após, com um pouco de óleo em uma panela, frite a mistura que você fez, dê a ela forma de hambúrguer e deixe-a fritar enquanto pensa sobre a sua vida, seus valores e sobre o que fazer de complemento para esta coisa que você se arriscou a fazer. Reitero aqui para NÃO PENSAR na situação socioeconômica do país, nem das incapacidades administrativas que estão ceifando a vida de milhares, neste exato momento, pois isso estraga a carne. Concentre-se no barulho de fritura, no fogão à sua frente, no fogo baixo.

Como você não está fazendo nenhuma carne, aproveite e poste rapidamente algo sobre política em alguma rede social, para não passar batido. Pegue uma daquelas espátulas para tirar frituras e tire isto que você acabara de fazer e coloque em um prato. Sirva como quiser.

E (spoiler) coma sabendo que não terá gosto de carne. Cada mordida neste suposto hambúrguer é uma mordida de mentiras e tormentas que você é obrigado a digerir pela força da incapacidade.

Pela fraqueza de luta que foi implantada em você desde que os seus avós decidiram sair de dentro da sua terra natal e tentar a vida em algum outro lugar. Coma isso aí sabendo que você só está nessa situação por causa dele. Justamente o mesmo NÃO do ELE NÃO que hoje está sapateando e sambando jocosamente enquanto se nega aceitar sua própria incapacidade como ser humano.

Um fracasso (não o hambúrguer, o outro lixo mal preparado) tamanho que, se você não vê a apatia latente no rosto das pessoas e a sucumbência de todo um futuro que se esvai por ralo abaixo, sugiro que desista até mesmo da soja.

Recomendo um pouco de molho de alho, para finalizar o prato.

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Texto: Lucas Mahacri
Fotomontagem: Janayna Araujo