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O vocabulário político da esquerda revolucionária

Assim como outras pessoas, tenho observado que estamos gradativamente descartando palavras e, consequentemente, princípios que nos constituem enquanto esquerda revolucionária, ou seja, socialistas dos diferentes matizes. Isso se deve, em parte, a escalada do neofascismo brasileiro nas duas últimas décadas. Esse movimento nos faz pensar e aceitar que para as pessoas não abraçarem o discurso neofascista e neoliberal temos que suavizar nosso discurso, dar dois ou mais passos atrás, não tecer críticas radicais ao modo de produção capitalista e a organização estatal, muito menos defender abertamente a construção da sociedade socialista. Mas devemos sim, defender e cooperar com a estratégia de poder da esquerda liberal. Aceitar isso, além de subestimar a capacidade intelectual e de revolta do povo oprimido, é fazer o jogo do opressor.

É inegável que a luta de classes estende-se para o campo da linguagem e memória social. Para além do debate da desconstrução da linguagem binária, do uso de frases que refletem a forma social racista e sexista, precisamos recuperar palavras e princípios próprios da esquerda revolucionária, reinserindo criativamente no circuito de palavras fluentes no dia-a-dia, para serem reapropriadas pelo conjunto da sociedade.

Assim como outras pessoas, tenho observado que estamos gradativamente descartando palavras e, consequentemente, princípios que nos constituem enquanto esquerda revolucionária, ou seja, socialistas dos diferentes matizes. Isso se deve, em parte, a escalada do neofascismo brasileiro nas duas últimas décadas. Esse movimento nos faz pensar e aceitar que para as pessoas não abraçarem o discurso neofascista e neoliberal temos que suavizar nosso discurso, dar dois ou mais passos atrás, não tecer críticas radicais ao modo de produção capitalista e a organização estatal, muito menos defender abertamente a construção da sociedade socialista. Mas devemos sim, defender e cooperar com a estratégia de poder da esquerda liberal. Aceitar isso, além de subestimar a capacidade intelectual e de revolta do povo oprimido, é fazer o jogo do opressor. É tudo que eles precisam.

Tal estratégia não tem dado certo. Pelo contrário, o neofascismo avança cada vez mais não apenas colonizando a máquina estatal e ganhando espaço entre as classes médias e pequena-burguesia, mas também, e sobretudo, pautando o debate público. Nesse último aspecto, o neofascismo tem povoa o imaginário político com seus ideais, princípios e palavras de ordem: deus, pátria e família. Além dessas palavras, prega um ideal suicida de liberdade individual, advoga por privatizações e o armamento do “homem de bem”. É assim, por meio da repetição de palavras-chave em diversos meios e mídias que o neofascismo se estabelece no imaginário coletivo.

O que faz a esquerda diante disso? A esquerda liberal, quando se movimenta, critica o superficialmente neofascismo, atacando moralmente a figura de Bolsonaro, sem pôr em xeque as raízes do sintoma Bolsonaro. A esquerda revolucionária, o espectro para qual falamos, tem adotado um posicionamento ora dissimulando a esquerda liberal e ora esquecendo as palavras e princípios que nos constitui e diferencia da esquerda eleitoreira. A arrogância política que uma fração de revolucionários/as apresenta, não permite reconhecer que as classes oprimidas tem consciência de sua condição de miséria generalizada, tendo também entendimento da ineficácia da democracia representativa burguesa. Um exemplo inequívoco de tal inteligência coletiva, são os altos índices de abstenção de votos. Longe de significar ignorância, como querem alguns, a rejeição na participação no jogo político burguês a cada dois anos, por parte da população, é a certeza de que as condições de vida não se alteram substancialmente através do voto.

Nesse sentido, é nosso dever preservar palavras e princípios que sintetizam nossa ideologia revolucionária, mantendo viva a chama da revolução social.

Palavras quase abandonadas pela esquerda revolucionária como Rebelião, Revolta e Revolução, precisam ser retomadas em nossos espaços de debate, ou quando conversamos com alguém desconhecido no ônibus. Afinal, pensando no contexto de Salvador, em que as pessoas são obrigadas a pagar R$ 4,90 por um transporte público extremamente precário e humilhante, uma rebelião não é justificável? Precisamos de mais Revolta do Buzu na Bahia de Todos-os-Santos!

Solidariedade é outra palavra que devemos insistir no uso. A falta de articulação entre setores oprimidos da sociedade é claramente um problema a ser superado. Getúlio Vargas instituiu uma política sindical que não permite a sindicalização de diferentes categorias de trabalho num mesmo sindicato, perdurando até os dias de hoje à revelia das lideranças dos principais sindicatos. Essa desarticulação entre diversos setores favorece a quais segmentos? Nós sabemos a resposta…

Nesse sentido, devemos criar estratégias que subvertam essa política preventiva à organização da classe trabalhadora. Portanto, estimular a união entre trabalhadores de diferentes setores, do campo e da cidade, é decisivo. Solidariedade é algo que emana das relações humanas em diferentes níveis. Desde a relação de vizinhança; na resolução de problemas do bairro; até num caso típico de injustiça cometida pelo braço armado do Estado, em que o povo de mobiliza para reagir. Nos cabe, insistir nessa união em nossas falas e ações concretas.

Em um cenário político em que a esquerda eleitoreira exclama por voto e faz chantagem barata com quem se posiciona criticamente contra o voto em Lula, como agora em 2 de outubro, a Auto-organização ou organização autônoma deve ser lembrada e sugerida como uma via legitima e eficaz para mudar as coisas, inclusive do ponto de vista das reformas. Historicamente, foi através de Greve gerais, paralisações, protestos, que as classes oprimidas conquistaram avanços inegavelmente importantes, demonstrando assim sua força coletiva. É na auto-organização coletiva que nos fortalecemos em todos os aspectos possíveis, e acima de tudo termos a oportunidade de experimentar e ensaiar formas de vida coletiva com maior grau de liberdade e igualdade possível. Portanto, devemos falar e praticar a auto-organização em todos os lugares que ocuparmos, na escola, na universidade, no trabalho e no bairro que moramos.

Esses são algumas das palavras e princípios que considero caros para quem estar na luta social. Há ainda inúmeras outras tão importantes quanto: socialismo, autogestão, luta de classes, ação direta, poder popular, entre outras. Recolocando em circulação tais palavras, fazendo uso constante delas de modo eloquente e criativo, estaremos preservando por meio da linguagem, parte importante da memória coletiva das classes oprimidas. Algo que nenhuma instituição burguesa ou partido que visa gerir o Estado burguês, fará de modo contundente. Desse modo, construiremos um imaginário social transformador, pavimentando, gradativamente o caminho da revolução social.

Texto: Rafael Almeida
Ilustração: Rafael Almeida